segunda-feira, fevereiro 28, 2011

USOS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE


Celebremente, Pierre Bourdieu iniciou uma Conferência na Universidade de Todai[1], assim: “Se eu fosse japonês, acho que não gostaria da maior parte das coisas que os não japoneses escrevem sobre o Japão” (Bourdieu, 2005, p.13). Tomando como ponto de partida a expressão de Bourdieu e num âmbito microssocial, é necessário pensar a concepção do termo Universidade partindo de dentro da própria universidade. Novamente, tomam-se como referência as palavras de Bourdieu para justificar a importância da reflexão aqui proposta e,

“Espera-se assim mostrar que os lugares ditos “difíceis” (como hoje o conjunto habitacional ou a escola) são primeiramente, difíceis de escrever e de pensar[2] e que é preciso substituir as imagens simplistas e unilaterais (...) por uma representação complexa e múltipla, (...) fundada na expressão das mesmas realidades em discursos diferentes, às vezes inconciliáveis; e (...) abandonar o ponto de vista único, central, dominante (...) em proveito da pluralidade de suas perspectivas correspondendo à pluralidade dos pontos de vista coexistentes e às vezes diretamente concorrentes.” (Bourdieu, 1997, p. 11-12)[3]

É necessário ver o que existe de fato e a forma como as relações são estruturadas. É necessário expor as particularidades com o intuito de capturar a lógica mais profunda impressa em uma realidade empírica. O espaço social é o espaço habitado com símbolos, distâncias sociais e diferenças retraduzidas na forma do poder sejam capital, cultural, social, econômica ou cientifica. O espaço social estrutura-se conforme a disposição dos agentes no espaço físico de acordo com as suas posições relativas como: localizações temporárias, permanentes, através das propriedades e da demonstração de poder de consumo.

A estruturação espacial estrutura também o formato e a proximidade das relações se partirmos do pressuposto de Bourdieu de que a distância espacial reflete na distância social. O espaço social é reflexo da construção coletiva do espaço físico através da atribuição de sentido e de simbolismo “(...) o espaço é um dos lugares onde o poder se afirma e se exerce, e, sem dúvida sob a forma mais sutil, a da violência simbólica como violência desapercebida...” (Bourdieu, 1997, p.163). Para Bourdieu o espaço social “(...) é construído de tal maneira que, quanto mais próximos estiverem os grupos ou instituições ali situados, mais propriedades eles terão em comum (...) as pessoas próximas no espaço social tendem a se encontrar próximas por opção ou por força...” (BOURDIEU, 1990, p. 153)[4].

O campo social da universidade é um espaço múltiplo de pontos de vista e de ações que como explicita Bourdieu podem ser concorrentes em determinados momentos. A partir da concepção do que é o espaço social partimos para a compreensão do termo Universidade. A multiplicidade de pontos de vista acerca das funções da Universidade, das suas responsabilidades bem como da sua autonomia é um assunto comum no meio acadêmico e no meio docente. Para tanto, a inquietação acerca dos usos da Universidade Pública não é um assunto inovador uma vez que, teóricos como Max Weber[5], Pierre Bourdieu[6] e Boaventura de Sousa Santos[7] já demonstraram as suas preocupações com os rumos das instituições públicas de ensino superior, em seus escritos. Tais questões ganharam maiores proporções no seio da sociedade tendo em vista a rápida expansão nas últimas décadas das unidades de ensino superior privadas.

A universidade é um microcosmo dotado de suas próprias leis e o seu mundo social é relativamente independente das pressões sociais do mundo global que a envolve. Este espaço é múltiplo no que tange às abordagens e perspectivas uma vez que contempla várias áreas do conhecimento. A multiplicidade de pontos de vista enfatizada por Bourdieu[8] direciona as análises para as funções latentes e manifestas dos papéis da Universidade Pública, estas funções estão implícitas nas três dimensões: ensino, pesquisa e extensão, um triângulo que atende às diversas atribuições da universidade. O ensino está direcionado para as práticas docentes e laborais pertinentes à docência, a pesquisa é de interesse coletivo, uma vez que é nas universidades que se concentram os estudos tecnológicos e científicos que compreendem pesquisas das ciências humanas, biológicas, sociais e exatas, e, finalmente, a extensão que contempla a sociedade através de projetos que permitem que os indivíduos e movimentos sociais tenham acesso ao espaço da produção do conhecimento.

A lógica da universidade pública está “... inscrita na lógica universalista de uma instituição estatal consagrada e dedicada ao serviço público e ao interesse geral” (BOURDIEU, 2004, p.59). A função social da universidade é contribuir cientificamente de forma positiva para resolução de problemas que chegaram à consciência pública.

Autonomia destinada ao espaço da universidade é sinônimo de mais liberdade para investigar e posicionar-se criticamente frente às demandas sociais e tecnológicas, além de favorecer a possibilidade de investimentos a médio e longo prazo para investigações complexas sem muita demanda do mercado ou da sociedade. A comercialização do conhecimento, ou a mercantilização do ensino é apenas o lado mais visível da relação conhecimento-sociedade. Ao longo do século XX os problemas a serem resolvidos eram definidos pelos pesquisadores, todavia, para Santos durante a última década foi iniciado um processo de mudança no que tange à relação conhecimento-sociedade.

Santos propõe em seu livro a Universidade no século XXI, que a ciência tenha um uso alternativo através da ecologia dos saberes visando trazer saberes não universitários para dentro da universidade. A Ecologia dos Saberes é o confronto entre teoria e prática, é o diálogo com outros tipos de saberes localizados fora dos muros da universidade. Consiste de certo modo, em uma dialética do conhecimento, a racionalização do mundo e a tentativa filosófica de relativização conduzem a ciência para o reencontro com o senso comum.

“Ecologia dos saberes é, por assim dizer, uma forma de extensão ao contrário, de fora da universidade para dentro da universidade”. (SANTOS, 2004, p.76) A reorientação para a valorização dos saberes leigos contribui para reintegrar outros tipos de saberes na produção do conhecimento, uma vez que, estes foram excluídos do cenário do conhecimento no período da racionalização da ciência. A Ecologia dos Saberes é a reorientação solidária da relação universidade-sociedade.

A Universidade Pública em suas ações tem a função de responder à sociedade questões que lhes foram confiadas, mas, para Bourdieu as demandas da sociedade para universidade variam conforme o capital cultural da população questionadora. O movimento universidade – sociedade encontra-se em expansão, entretanto, as cobranças da sociedade para com a universidade, talvez ainda seja tímida.

No que tange às demandas dos movimentos sociais Bourdieu atenta que estas ainda são poucas, exceto, o caso dos movimentos ecológicos e atenta que o nível de inovação das demandas variam conforme o nível de instrução. As demais demandas ainda estão presas às imposições midiáticas que, determinam quais problemas devem ser investigados e quais os “ditos” problemas sociais.



[1] BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2005.

[2] Grifo do autor

[3] BOUDIEU, Pierre (coord). A Miséria do Mundo. Petrópolis: Vozes, 1997

[4] BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.

[5] WEBER, Max. A ciência como vocação. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/weber_a_ciencia_como_vocacao.pdf, acesso em: 10/03/2008.

[6] BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clinica do campo cientifico. São Paulo:UNESP,2004.

[7] SANTOS, Boaventura de Souza. A Universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo:Cortez, 2004.

[8] BOURDIEU, Pierre. O espaço dos pontos de vista. In BOURDIEU, Pierre (coord.). A miséria do mundo. Petropolis: Vozes, 1997.

Qual o nível do ensino de arquitetura no Brasil? A estrutura curricular deve ser revista? Quais os pontos que deveriam ser mais fortes?

COLABOROU GIOVANNY GEROLLA

Formar um arquiteto e urbanista não significa apenas oferecer um pacote-padrão de disciplinas durante quatro ou cinco anos de faculdade. O conteúdo transmitido nas salas de aula deve estar em sintonia com as novas necessidades da sociedade. Mas os recém-egressos de nossas faculdades estão preparados para atender a essas demandas? As centenas de escolas de arquitetura oferecem uma formação adequada a seus estudantes? Como ocorre com os advogados, deveria haver uma seleção dos profissionais mais capacitados a exercer a profissão de arquiteto e urbanista? Confira as respostas dos profissionais consultados por AU.

fotos acervo pessoal
Andrey Rosenthal Schlee, diretor da FAUUNB
Há, ao mesmo tempo, cursos excelentes, que formam profissionais capacitados e habilitados para atuar, e outros cursos desqualificados, ou professores despreparados, ou ainda estudantes desinteressados. O crescimento do número de instituições públicas e privadas que atuam no ensino profissionalizante é enorme, mas o País também é. E maiores ainda são os nossos desafios. Num país tipicamente urbano, o arquiteto urbanista é cada vez mais fundamental. O importante, no entanto, é formar profissionais interessados em resolver os problemas do Brasil de hoje - e não mais continuar apostando numa formação descontextualizada, elitista e moldada nos termos da academia francesa do século 17. Precisamos urgentemente de planejadores urbanos, e apesar de já termos diretrizes curriculares e padrões de qualidade definidos para o ensino da arquitetura, ainda é preciso rever o perfil profissional que cada escola quer ou deve colocar no mercado - principalmente as públicas.

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Francisco Segnini Junior, coordenador da Comissão de Coordenação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da USP (Cocau)
O MEC, por meio das Diretrizes Curriculares, tem tentado garantir que os conteúdos básicos estejam presentes em todos os cursos de arquitetura e urbanismo do País. Entretanto, o que se observa é que nem sempre a aplicação dessas diretrizes se faz adequadamente. O rápido crescimento do número de cursos (hoje existem 215 cursos registrados) se dá, principalmente, por meio do ensino superior privado. Entre eles, a maioria é ministrada no período noturno, mas estruturada à semelhança dos cursos diurnos ou em tempo integral. Tal situação tem provocado distorções no processo de ensino e aprendizagem, permitindo que profissionais com preparo insuficiente detenham qualificações para o exercício da profissão. Eles tendem a representar riscos à sociedade. Além disso, a carga horária destinada às disciplinas técnicas tem diminuído. Arquitetura é projeto e construção. É necessário que as escolas retomem e aprofundem o ensino da tecnologia - esta, cada vez mais complexa e variada.

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Lucas Faulhaber, diretor geral da Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (Fenea)
Não se trata somente de um problema de ensino. Infelizmente, outros alicerces da nossa universidade, como pesquisa e extensão, são ainda mais sucateados - quando existem. As Diretrizes Curriculares vigentes até corresponderiam a uma formação de boa qualidade, mas o MEC não vem sendo capaz de exigir sua implementação nas faculdades, em grande parte por termos um sistema deficiente de avaliação do ensino superior. Defendo um currículo ainda mais voltado para a nossa realidade social, para que a universidade possa exercer o seu papel transformador. Nesse sentido, conceituamos e defendemos os escritórios-modelo de arquitetura e urbanismo como uma atividade que pode gerar, ao mesmo tempo, aprendizado prático e um retorno à sociedade.

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José Antonio Lanchoti, arquiteto e urbanista, presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
O ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil vem se modificando ao longo desta última década, em decorrência da criação das Diretrizes Curriculares, implantadas pela primeira vez em 1994, para substituir o antigo Currículo Mínimo - e suas posteriores alterações. Com essas transformações, tem-se buscado compreender as novas demandas da sociedade de nossa época, respondendo-as com conhecimentos transmitidos aos futuros profissionais, por sua vez, cada vez menos preparados para a vida universitária. O Conselho Nacional de Educação realizou recentemente algumas alterações nessas Diretrizes Curriculares, o que promoveu um retrocesso de antigas conquistas. Agora, cabe reverter o retrocesso: ações sociais da profissão - assistência técnica para habitação de interesse social, questões de preservação ambiental, de defesa do patrimônio construído, de acessibilidade e da ética - serão pontos essenciais.

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Alvaro Puntoni, professor da FAUUSP e da Escola da Cidade, e arquiteto do escritório Gruposp
Falta a organização de um Colégio de Arquitetos - órgão diferente do Crea -, que determine um sentido social mais amplo para arquitetura e exija exame específico para o exercício da profissão. Esta falta sugere uma estrutura de ensino frágil. Nas escolas, por outro lado, há o excesso de disciplinas autônomas e desconectadas, advindas de reformas do ensino na década de 60. Com as transformações sucessivas, os cursos foram se burocratizando e, infelizmente, hoje nossas escolas se pautam no currículo mínimo, que pressupõe a formação em 3.600 horas (até cinco anos). A Escola da Cidade aprovou em 2009 a matriz curricular de seis anos, mantendo as cinco disciplinas (urbanismo, tecnologia, desenho, história e projeto), o Estúdio Vertical, o programa de viagens de estudo (Escola Itinerante) e os seminários de realidade e cultura contemporânea, além de implantar o estágio assistido e criar a possibilidade de intercâmbio no 100 semestre. O aluno cursará disciplinas optativas e desenvolverá, ao mesmo tempo, seu trabalho final. Aquele que ingressa em uma escola de arquitetura deve ter tempo para construir um envolvimento mais profundo com esse universo. Ser arquiteto é ser construtor de um mundo que conhecemos e de outro que ainda não conhecemos. É importante permitir-se conhecer aquilo que não se sabe.

Sofia Mattos
Siegbert Zanettini, arquiteto e urbanista
O ensino de arquitetura deixa a desejar na maioria das escolas do País. A produção do conhecimento em pesquisa é quase nula. Não são ministradas disciplinas que desenvolvam novas tecnologias, muito menos novas soluções para a estrutura urbana. Tampouco são propostos conhecimentos consolidados em ciências humanas, biológicas, exatas, econômico-administrativas e ambientais (incluindo ecoeficiência e sustentabilidade). Professores de projeto, em sua maioria, não exercem a atividade e não têm experiência gerencial em execução de obras. Por último, as escolas deveriam ser mais bem equipadas com bibliotecas, ateliês e, principalmente, ferramentas atuais de informática.


FONTE: Revista Arquitetura e Urbanismo. Disponível em:

http://revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/202/artigo206884-1.asp

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Por uma academia ética.

Olhar pela janela, das experiências vividas impõe certo ritmo à vida. Por vezes de resignação, por outras de inquietação e questionamentos culminando muitas vezes na fatídica constatação de que o respeito e o altruísmo estão na outra margem do lago...

É estranho resignar-se diante do preconceito e da prepotência, tratados por alguns como uma medalha de honra ao mérito... Tenho sim meus preconceitos e procuro mantê-los guardados a sete chaves... Será hipocrisia? Acredito que não, e acredito que preconceitos devem ser vencidos e superados, ou pelo menos podados para não ferirem as pessoas.

Acho engraçado... Algumas pessoas ditas entendidas de arte, sequer entendem de cultura, de diversidade cultural e buscam a todo custo impor as suas concepções pessoais para uma vasta multidão. Estas situações me fazem pensar que, embora, novamente em uma cadeira acadêmica muitos preceitos e ideais permanecem arraigados no meu posicionamento. Sejam preceitos sociológicos, políticos ou antropológicos que fazem sentir saudades do respeito à diversidade, formas de expressão, da ética e do amor pela ciência acadêmica...

A academia é um lugar para formação de profissionais éticos que de alguma forma vão trabalhar para a sociedade seja na construção de edifícios, na elaboração de projetos, no desenvolvimento da tecnologia, seja lecionando ou lidando com pacientes terminais. O que alguns profissionais mesquinhos esquecem é que a sociedade precede as profissões. A cultura não é privilégio de poucos. Uma vez que ela está arraigada seja em aspectos globais ou regionais.

Diante da mesquinhez e da visão unilateral do que é cultura, e das concepções de gosto e de escolhas recordo-me de Weber e do seu texto “A ciência como vocação”, que a meu ver deveria ser obrigatório para professores e ditos professores.

Num auditório, deve o professor falar diante dos seus ouvintes, e estes guardar silêncio; os estudantes, em vista da sua progressão, estão obrigados a frequentar as aulas de um professor e nelas não é permitido fazer críticas. Considero, pois, uma irresponsabilidade que o docente aproveite esta circunstância para estampar nos ouvintes as suas próprias ideias políticas, em vez de se limitar a cumprir a sua tarefa: ser útil com os seus conhecimentos e com as suas experiências científica. Sem dúvida, é possível que um indivíduo só em parte consiga excluir as suas simpatias subjectivas. Expõe-se então à mais viva crítica no foro da sua consciência. Mas isto nada prova, pois também são possíveis outros erros puramente objectivos, e todavia nada demonstram contra o dever de buscar a verdade. A minha recusa parte também, e tão só, do interesse cientifíco. Apoiando-me nas obras dos nossos historiadores, pretendo mostrar o seguinte: sempre que o homem de ciência surge com o seu próprio juízo de valor, cessa a plena compreensão dos factos. No entanto, esta questão ultrapassa em grande parte o tema do serão de hoje e exigiria longas discussões. (WEBER, Max. A ciência como vocação.)[1]

Olhar através da janela faz-me retomar aos meus preceitos natos da concepção do que é a academia, do que é o conhecimento, do que é cultura, e por fim do esquecimento da tarefa angular do educador: ser útil com os seus conhecimentos e com as suas experiências cientificas. O trágico em tudo isso, é que se esquecem das consequências - sempre que o homem de ciência surge com o seu próprio juízo de valor, cessa a plena compreensão dos factos.

Gostaria mesmo é de não estar olhando pela janela, mas apedrejando-a para que as luzes da ética, do respeito e do bom senso pudessem entrar... Mas, por enquanto fico a olhar pela janela de forma resignada...


[1] WEBER, Max. A ciência como vocação. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/weber_a_ciencia_como_vocacao.pdf . Acesso em:25/02/2011