Arquitetura e Urbanismo


Qual o nível do ensino de arquitetura no Brasil? A estrutura curricular deve ser revista? Quais os pontos que deveriam ser mais fortes?

COLABOROU GIOVANNY GEROLLA

Formar um arquiteto e urbanista não significa apenas oferecer um pacote-padrão de disciplinas durante quatro ou cinco anos de faculdade. O conteúdo transmitido nas salas de aula deve estar em sintonia com as novas necessidades da sociedade. Mas os recém-egressos de nossas faculdades estão preparados para atender a essas demandas? As centenas de escolas de arquitetura oferecem uma formação adequada a seus estudantes? Como ocorre com os advogados, deveria haver uma seleção dos profissionais mais capacitados a exercer a profissão de arquiteto e urbanista? Confira as respostas dos profissionais consultados por AU.


fotos acervo pessoal
Andrey Rosenthal Schlee, diretor da FAUUNB
Há, ao mesmo tempo, cursos excelentes, que formam profissionais capacitados e habilitados para atuar, e outros cursos desqualificados, ou professores despreparados, ou ainda estudantes desinteressados. O crescimento do número de instituições públicas e privadas que atuam no ensino profissionalizante é enorme, mas o País também é. E maiores ainda são os nossos desafios. Num país tipicamente urbano, o arquiteto urbanista é cada vez mais fundamental. O importante, no entanto, é formar profissionais interessados em resolver os problemas do Brasil de hoje - e não mais continuar apostando numa formação descontextualizada, elitista e moldada nos termos da academia francesa do século 17. Precisamos urgentemente de planejadores urbanos, e apesar de já termos diretrizes curriculares e padrões de qualidade definidos para o ensino da arquitetura, ainda é preciso rever o perfil profissional que cada escola quer ou deve colocar no mercado - principalmente as públicas.
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Francisco Segnini Junior, coordenador da Comissão de Coordenação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da USP (Cocau)
O MEC, por meio das Diretrizes Curriculares, tem tentado garantir que os conteúdos básicos estejam presentes em todos os cursos de arquitetura e urbanismo do País. Entretanto, o que se observa é que nem sempre a aplicação dessas diretrizes se faz adequadamente. O rápido crescimento do número de cursos (hoje existem 215 cursos registrados) se dá, principalmente, por meio do ensino superior privado. Entre eles, a maioria é ministrada no período noturno, mas estruturada à semelhança dos cursos diurnos ou em tempo integral. Tal situação tem provocado distorções no processo de ensino e aprendizagem, permitindo que profissionais com preparo insuficiente detenham qualificações para o exercício da profissão. Eles tendem a representar riscos à sociedade. Além disso, a carga horária destinada às disciplinas técnicas tem diminuído. Arquitetura é projeto e construção. É necessário que as escolas retomem e aprofundem o ensino da tecnologia - esta, cada vez mais complexa e variada.
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Lucas Faulhaber, diretor geral da Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (Fenea)
Não se trata somente de um problema de ensino. Infelizmente, outros alicerces da nossa universidade, como pesquisa e extensão, são ainda mais sucateados - quando existem. As Diretrizes Curriculares vigentes até corresponderiam a uma formação de boa qualidade, mas o MEC não vem sendo capaz de exigir sua implementação nas faculdades, em grande parte por termos um sistema deficiente de avaliação do ensino superior. Defendo um currículo ainda mais voltado para a nossa realidade social, para que a universidade possa exercer o seu papel transformador. Nesse sentido, conceituamos e defendemos os escritórios-modelo de arquitetura e urbanismo como uma atividade que pode gerar, ao mesmo tempo, aprendizado prático e um retorno à sociedade.
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José Antonio Lanchoti, arquiteto e urbanista, presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
O ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil vem se modificando ao longo desta última década, em decorrência da criação das Diretrizes Curriculares, implantadas pela primeira vez em 1994, para substituir o antigo Currículo Mínimo - e suas posteriores alterações. Com essas transformações, tem-se buscado compreender as novas demandas da sociedade de nossa época, respondendo-as com conhecimentos transmitidos aos futuros profissionais, por sua vez, cada vez menos preparados para a vida universitária. O Conselho Nacional de Educação realizou recentemente algumas alterações nessas Diretrizes Curriculares, o que promoveu um retrocesso de antigas conquistas. Agora, cabe reverter o retrocesso: ações sociais da profissão - assistência técnica para habitação de interesse social, questões de preservação ambiental, de defesa do patrimônio construído, de acessibilidade e da ética - serão pontos essenciais.
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Alvaro Puntoni, professor da FAUUSP e da Escola da Cidade, e arquiteto do escritório Gruposp
Falta a organização de um Colégio de Arquitetos - órgão diferente do Crea -, que determine um sentido social mais amplo para arquitetura e exija exame específico para o exercício da profissão. Esta falta sugere uma estrutura de ensino frágil. Nas escolas, por outro lado, há o excesso de disciplinas autônomas e desconectadas, advindas de reformas do ensino na década de 60. Com as transformações sucessivas, os cursos foram se burocratizando e, infelizmente, hoje nossas escolas se pautam no currículo mínimo, que pressupõe a formação em 3.600 horas (até cinco anos). A Escola da Cidade aprovou em 2009 a matriz curricular de seis anos, mantendo as cinco disciplinas (urbanismo, tecnologia, desenho, história e projeto), o Estúdio Vertical, o programa de viagens de estudo (Escola Itinerante) e os seminários de realidade e cultura contemporânea, além de implantar o estágio assistido e criar a possibilidade de intercâmbio no 100 semestre. O aluno cursará disciplinas optativas e desenvolverá, ao mesmo tempo, seu trabalho final. Aquele que ingressa em uma escola de arquitetura deve ter tempo para construir um envolvimento mais profundo com esse universo. Ser arquiteto é ser construtor de um mundo que conhecemos e de outro que ainda não conhecemos. É importante permitir-se conhecer aquilo que não se sabe.
Sofia Mattos
Siegbert Zanettini, arquiteto e urbanista
O ensino de arquitetura deixa a desejar na maioria das escolas do País. A produção do conhecimento em pesquisa é quase nula. Não são ministradas disciplinas que desenvolvam novas tecnologias, muito menos novas soluções para a estrutura urbana. Tampouco são propostos conhecimentos consolidados em ciências humanas, biológicas, exatas, econômico-administrativas e ambientais (incluindo ecoeficiência e sustentabilidade). Professores de projeto, em sua maioria, não exercem a atividade e não têm experiência gerencial em execução de obras. Por último, as escolas deveriam ser mais bem equipadas com bibliotecas, ateliês e, principalmente, ferramentas atuais de informática.

FONTE: Revista Arquitetura e Urbanismo. Disponível em: